Quando um grupo de pesquisadores e exploradores foram para o Amazonas conheceram a nação Xavante. Olharam ao redor e ao estilo de vida dos índios, sem roupas, sem equipamentos tecnológicos, sem luz, sem várias coisas que para nós são fundamentais foram chamados de selvagens.
Em 1974, dois caciques da nação Xavante vieram visitar a cidade de São Paulo. Na época, os xavantes não usavam o dinheiro como meio de troca. Para eles qualidade de vida era comida porque eles não costumavam acumular comida.
Quando chegaram na cidade foram levados a passear. Onde levaríamos dois caciques da nação xavante para passear? Nem ao Ibirapuera, nem ao zoológico, é claro! Levaríamos para conhecer uma novidade: um shopping, à Avenida Paulista, para andar de metrô, foram levados também num lugar belíssimo no centro de São Paulo, o Mercado Municipal, uma espécie de Ceasa ou Ceagesp.
Foram levados lá porque tinha uma coisa que a gente queria que eles vissem: comida acumulada. Imaginem a cena: os dois caciques entraram; deram alguns passos e ficaram boquiabertos. Ficaram com o olhar que cada um de nós ficaria entrasse no cofre de um banco, porque para nós o dinheiro é meio de qualidade de vida.
Começaram a andar, a andar... até que, de repente, um deles viu uma coisa que nenhum de nós veria: notaram um menino pobre (nós sabemos que era pobre pela roupa; eles não saberiam), guardando restos de verduras num saquinho. Nenhum de nós notaria isso, porque isso para nós é normal; mas eles viram e quiseram saber porque o garoto estava pegando essa comida do chão. Alguém explicou: "Porque ele precisa comer". Ficaram calados durante algum tempo, até que um deles disse: "Não entendi. Por que ele está pegando essa comida podre se aqui tem pilhas de comida boa?". Alguém tentou explicar: "É que para pegar comida das pilhas precisa de dinheiro". "E ele não tem dinheiro?" perguntou o cacique. "Não, ele não tem dinheiro". "Por que ele não tem dinheiro? insistiu".
Onde o cacique estava mexendo? Na nossa base de qualidade de vida, no que nós entendemos como qualidade de vida. Aí falamos: "Ele não tem dinheiro porque é criança". "Ah, e o pai dele tem?". "Não, o pai dele não tem". "Então não entendi. Por que você, que é grande, tem dinheiro e o pai dele, que é grande, não tem?". A única resposta possível para o cacique, naquele momento, foi: "Sabe o que é? É que aqui é assim". Aí eles disseram uma frase inesquecível: "estas pessoas são selvagens”, vamos embora". E foram embora de São Paulo.
Não conseguiram compreender essa coisa tão banal, que é uma criança com fome ter que comer uma comida podre, mesmo que esteja em frente a uma comida boa.
Existe globalização, mas ela não é fatal. Nós só podemos aceitar a ideia de globalização quando ela puder favorecer a vida coletiva. Não adianta dizer que aqui é assim.
Mario Cortela - adaptado
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